sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A Rosa

Eu estou morrendo aos poucos. Meus olhos não enxergam ao longe. Meus ouvidos não decifram os detalhes. Meu olfato já não me traz prazer. Meu pulmão se acostumou a sugar o mínimo. Resistência de quem já sabe o que está absorvendo. Meu corpo não se mexe mais. Deitada numa cama só meus olhos se movem. Eles vêem uma luz, não muito distante. Em volta de mi só escuridão. As pessoas a minha volta falam! Falam tanto! Queria poder entender... Já nem sei mais se são pessoas. Já nem sei mais se quero entender. Me lembro que alguém colocou uma roseira na minha janela. Um dia eu vi um pontinho verde ficar rosado. Depois, pouco depois, já dava para perceber as pétalas se formando e o botão se abrindo lentamente, sempre que meus olhos se afastavam. Era uma beleza divina, impressionante! O que é que faz essa vida nascer ao meu lado e aos pouquinhos, no tempo certo, se desenvolver até atingir o ápice da beleza, a pureza da sensibilidade, o veludo das pétalas, a simetria perfeita de algo que antes não estava ali. Minha atenção se desviou por um momento. A euforia que senti por tão intenso tempo foi diminuindo e eu não consegui mais me mexer. As pétalas foram caindo e o rosado ficando branco.
Eu estou morrendo aos poucos. O único movimento que meu corpo faz é cumprir uma rotina mecânica, diária, igual. Um papel que me disseram para cumprir. Meu pulmão se acostumou com a fumaça dos motores e dos cigarros. Meus ouvidos não conseguem me deixar em paz. Meu olfato traz todo o mal que está no ar para dentro de mim.
Meus olhos enchergam uma luz...
Continuo rezando para aquilo ser só um filme na TV. Se fosse realidade... me faria tão mal...
Olho para os lados e vejo outras pessoas morrendo aos poucos. Da minha janela consigo ver as pétalas de outras flores se desfazendo com o vento. Lá embaixo, vejo as minhas pétalas se misturando com outras num moinho de poeira seguindo rua abaixo, rodando sem parar.
Helicóptero abatido, policial ladrão, policial, ladrão, criança ferida, bala perdida, criança ladrão.
É um filme! É só um filme! E acalmo meu coração.
Hoje, da minha cama, já consigo mexer o dedo! Solucionei muitos pesares desligando aquela luz que ficava na minha frente. As pessoas a minha volta falam tanto! Quase não reparei no novo botão da roseira.

Um comentário:

  1. Definitivamente, você precisa voltar...Talvez a Rosa tenha ficado negra na sua ausência.

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